Com pouco menos de seis meses para o início das aulas dúvidas sobre um dos aspectos mais desafiadores em fazer parte do grupo de alunos da Boston University Henry M. Goldman School of Dental Medicine ainda paira no ar. Como é que eu vou pagar por este programa? De onde virá o dinheiro? Qual o valor que eu tenho que pedir para ter o mínimo para viver enquanto estiver na Escola?

            De uns anos para cá eu tenho acompanhado o programa Pânico da Jovem Pan. Não tanto pelo humor, mas mais pela informação bem-humorada o início do programa sempre tem um apanhado geral do que está acontecendo no Brasil e no mundo. Eu gosto do Emilio Surita, acho ele um grande comunicador, acho engraçado as vinhetas que o Rogério Morgado coloca no meio da notícia e algumas entrevistas são interessantes. Não vou dizer que sou fã incondicional do formato com que o programa tomou, mas para passar o tempo eu acho um programa até que legal.

            Enquanto os dias para o início das aulas vão passando, eu fico pensando por tanta coisa que eu passei até chegar aqui. Conheci gente muito boa, gente disposta a ajudar e oferecer orientação e apoio. Tenho certeza de que esta oportunidade somente aumentará conforme eu continue a aumentar o meu contato com a sociedade odontológica local.

            Muita gente que entra em contato comigo me fala sobre o sonho de deixar o Brasil, a violência, falta de reconhecimento profissional e falta de segurança. Invariavelmente dizem que topam fazer qualquer trabalho, perguntam sobre o exercício como Dental Hygienist e Dental Assistant. Poucas vezes me perguntam sobre o programa Advanced Standing que oferece o título DDS ou DMD por conta do alto valor exigido pelos programas locais. Eu gostaria de falar um pouco sobre esta situação pela qual eu estou vivenciando atualmente.

Vou deixar um pouco a Odontologia de lado hoje. Esse último final de semana marcou o reencontro da minha turma do Colegial do Colégio Cassiano Ricardo em São José dos Campos. Do encontro inadvertido de três colegas nos últimos meses do ano passado surgiu a idéia deste encontro. Trinta anos depois um grupo com aproximadamente cinquenta pessoas que congregam um grupo do WhatsApp poderiam se reencontrar, matar saudades, comer um churrasco, beber uma cerveja e dar algumas risadas. Infelizmente por motivos de força maior eu não pude comparecer ao encontro. Na verdade, tudo estava planejado para a minha ida ao Brasil mais precisamente para participar deste encontro, mas como disseram posteriormente em conversa no WhatsApp, eu tenho outra chance no próximo encontro em 2053.

            E agora? As provas foram feitas. TOEFL, INBDE, cartas de referência, carta de intenção, formulários preenchidos, aplicação feita, pagamento efetuado. A espera acabou. Finalmente o resultado positivo de um longo processo finalmente chegou. Muita festa! Muita alegria! Lágrimas de felicidade e muitas felicitações. Estamos a algumas semanas do primeiro dia de aula e um detalhe importantíssimo chega à tona: Onde é que eu vou morar?

Uma semana depois da grande notícia, pouco ou quase nada mudou no meu dia a dia. Aquela enxurrada de e-mails e mensagens congratulatórias acabou dando um grande ânimo para o que está para vir mais para o meio do ano. Como uma das primeiras medidas tomadas – e neste caso nem por mim mesmo – foi a minha adição a um grupo do WhatsApp composto somente por brasileiros, todos na mesma turma para se formar em 2025. Até o momento somos sete Dentistas brasileiros que participarão de um dos mais concorridos programas oferecidos por instituições de ensino Odontológico dos Estados Unidos.

Aquela tarde de Setembro de 2021 foi um divisor de águas. Enquanto no trabalho, eu recebi a ligação telefônica do meu irmão Marcos que mora em Calgary no Canadá. Sai da área de trabalho onde eu estava e me dirigi para saída dos funcionários onde eu poderia ter um pouco mais de privacidade, mesmo que ninguém com quem eu estava compartilhando o espaço pudesse compreender o assunto discutido. A notícia foi bombástica! Ele tinha sido aprovado no exame INBDE, exame este oferecido pela Joint Commission of Dental Accreditation, instituição que rege e aplica o exame de conhecimento odontológico necessário que todo o Dentista norte-americano deve realizar e obter aprovação.

            Paciência. Substantivo feminino. Virtude do ser humano baseada no autocontrole emocional sem perder a calma e a concentração. (www.significados.com.br/paciencia/)

            Enquanto crescendo em São José dos Campos e assíduo aluno da Escola Bíblica Dominical (EBD) da Igreja Cristão Evangélica Central de São José dos Campos aprendi desde cedo que tudo o que a gente pedisse para Deus, e se assim fosse da sua vontade, Ele nos concederia. Vivi e tenho vivido esta verdade nestes meus quase cinquenta anos de vida e digo que Ele nunca, nunca me decepcionou. Também aprendi por experiência própria que coisas materiais nem sempre são prioridade para Ele. Por mais que a gente ache que teria uma vida melhor com isso ou com aquilo, uma vez que a gente tem consciência de que Ele se faz soberano na nossa vida, a gente entende que buscar a sua orientação em cada aspecto da nossa vida, certamente irá fazer a nossa vida menos tumultuada.

            Dia sete de Dezembro de 1942. Segunda-feira. O dia que viveu na infâmia para os moradores dos Estados Unidos.

            Dia primeiro de maio de 1994. Domingo. O Brasil inteiro parou para acompanhar o acidente que tirou a vida de um de seus maiores ícones.

            Dia onze de setembro de 2001. Terça-feira. O mundo assistiu estarrecido o colapso da representação do poder de uma nação.

            Há alguns anos chegou ao meu conhecimento a atuação de um Dentista do Brasil em solo norte-americano, mais precisamente em uma cidade próxima de onde eu estou. Nada contra sua iniciativa e empreendedorismo, mas como tudo na vida, são nos detalhes que residem os grandes problemas; e o detalhe deste caso em específico era o fato desta pessoa estar praticando Odontologia de maneira ilegal. E como isso é possível? Bom, para início de conversa, este “colega” de profissão montou um “consultório” em uma pequena sala comercial em um prédio localizado em um posto de gasolina e fazia o “atendimento” de pessoas que buscavam tratamento rápido e barato.

Nos meus primeiros meses trabalhando como Dentista aqui nos EUA eu ficava pensando durante o dia o que de diferente eu faria, em termos de Odontologia, caso eu voltasse para o Brasil. Todo dia era um aprendizado novo, uma coisa diferente que chegava para mim. Diariamente eu via a diferença gritante entre a forma de se conduzir a prática Odontológica nos Estados Unidos com o Brasil.

            Você sabe que está ficando velho quando o Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo está na sua quadragésima edição e você se lembra da sua primeira vez ali, quando estava na décima sétima edição. (Para quem achar que eu sou um velho caquético, aqui vai uma informação importante: Inicialmente o CIOSP era realizado bianualmente. O Congressão – como é carinhosamente chamado – passou a ser anual lá pelo final dos anos 90. Então se você fizer as contas vai ver que isso acaba me colocando numa faixa etária não tão avançada assim). Pois bem: velho sim, caquético é a sua avó.

            Em 1996 eu tive o privilégio de ter aula com um grupo de Periodontistas que marcaram muito a minha vida. A equipe era liderada pelo Prof. Dr. José Roberto Cortelli e tinha como membro sempre presente e nunca ausente a Prof. Dra. Débora Pallos. Mais do que dois professores, Dentistas e Periodontistas eles sempre se mostraram como reais cientistas que buscavam em pesquisa de campo material para prosseguir com suas pesquisas dentro da Periodontia. Tenho muito respeito pelos dois e fico muito feliz de poder afirmar que fui um de seus muitos alunos.

            A gente aprende que o processo seletivo para programas de Residência em Odontologia e os chamados Advanced Standing (AS) - que têm como alvo Dentistas graduados fora dos Estados Unidos – é uma coisa muito diferente do que a gente está acostumado no Brasil. Você já deve ter testemunhado um processo seletivo para uma pós-graduação em uma instituição brasileira. Quem sabe uma pequena prova, uma breve entrevista – que acaba se tornando um bate papo se você tem familiaridade com os membros da equipe – talvez uma prova prática para demonstrar suas habilidades e vez ou outra é questionado sobre a sua habilidade de pagar pelo curso.

            No ano passado eu me encontrava em uma busca frenética para conseguir a provação no INBDE. Pelo menos 3 horas diárias de estudo durante a semana mais os finais de semana dedicados a aulas online – do canal Mental Dental no Youtube – aplicativos com questões a serem resolvidas e muito apoio de familiares e amigos. Os dias iam passando, eu tinha em mente todo um plano a ser seguido onde tudo parecia estar muito bem cronometrado. Prova no final de fevereiro e início de março, resultado em duas semanas e prova de inglês uma semana antes do início da janela de inscrição para os programas de residência em Endodontia. Estava tudo certo e arranjado.

            O ano era mil novecentos e noventa e três. Ainda me lembro muito bem daquele dia quando eu fui até o Cursinho Universitário na rua Teopompo de Vasconcelos em São José dos Campos ver o resultado do Vestibular da UNESP. Eu estava acompanhado de um amigo que ingressara no ano anterior na Engenharia da UNICAMP e me fazia companhia naquele dia. Eu estava muito confiante porque eu realmente tinha dado meu melhor e eu estava ali para colher o resultado de um ano de esforço. A sala onde as listas foram colocadas começou a encher de gente. Pessoas pulando de alegria, gente procurando seus nomes e gente saindo silenciosamente e cabisbaixos. Eu fiquei ali parado por um momento... sem encontrar o meu nome e saber por onde sair.

            Ah... o glamour de viver nos Estados Unidos. Segurança, paz, tranquilidade, a certeza de que a lei e a ordem serão presentes diariamente na nossa vida, o trabalho sério sendo bem reconhecido. Tudo isso é verdade e muita gente que entra em contato comigo têm como objetivo para si e sua família, o oferecimento de todos estas qualidades e vantagens de viver fora. No entanto, um lado sombrio desta oportunidade sonda a vida de todos aqueles que se aventuram nesta jornada. É difícil falar sobre isto porque nenhum de nós quer ou deseja viver, ou quem sabe até mesmo, passar por esta situação.

            Se você me acompanha no decorrer destes quase dezesseis anos, você sabe que a minha intenção sempre foi elucidar dúvidas comuns a tantos outros colegas brasileiros que, como eu um dia, desejavam buscar trabalhar como Dentista nos Estados Unidos. Quando eu cheguei por aqui, pouco ou quase nada existia em termos de informação confiável e disponível para quem desejasse buscar esta oportunidade. O blog “Dentista Brasileiro nos Estados Unidos” começou quente, com quase uma postagem por dia comigo contando sobre toda a minha experiência dentro de um Community Health Center, legislações, regras, experiências e tudo o que eu aprendia sobre o processo de validação do Diploma de Odontologia em solo americano.

Há alguns anos chegou até mim um Dentista do Brasil procurando informações sobre o trabalho em Community Health Centers em Massachusetts. Como tantos outros que já me procuraram sobre o mesmo assunto, eu ofereci as respostas para as informações perguntadas e ainda disse que o local onde eu trabalho estava procurando Dentistas para o quadro de profissionais. Em situações similares, pouco ou quase nada eu posso fazer, mas daquela vez eu pensei que poderia ajudar um pouco mais dizendo para a pessoa responsável na época que alguém iria entrar em contato com eles, porque souberam da vaga através do blog e que poderia ser um candidato a ser considerado.